domingo, 7 de julho de 2024

“Nakhodha e a Sereia: quando o mar é o mundo”


"Nakhodha e a Sereia" (foto de Bento, 2024)


Estamos na Ilha de Moçambique, em Moçambique, num galpão escuro, uma antiga alfândega, mercado de escravizados. Era daqui que partiam corpos africanos agora transformados em peças, mercadorias, para diversas partes do mundo, incluindo o Brasil. Mas é também aqui, neste espaço, que está organizada a instalação “Nakhodha e a Sereia”, da artista moçambicana Yara Costa. Se num primeiro momento, ao adentrar o local, a imensidão e a escuridão do galpão nos assustam, em poucos segundos, os barcos espalhados pelo salão, com luzes coloridas fazem nossos olhos brilharem como de uma criança prestes a desvendar mistérios. A instalação pode ser lida como uma homenagem à cultura marítima, em especial, a cultura swahili – tão presente no norte de Moçambique, onde está localizada a Ilha –, mas também à cultura de povos que vivem do (e no) mar em qualquer lugar do mundo.  

A instalação “Nakhodha e a Sereia” aciona nossos diversos sentidos. Inicialmente, somos convidadas a subir as escadas que dão acesso aos barcos, e nos sentarmos. Depois, devidamente acomodadas acima do chão e, com fones de ouvido, Bento, o guia-monitor, vai colocando os diversos sons que iremos ouvir, não sem antes explicar cada um deles.

E a magia começa. Os áudios captados em formato 360 graus nos causam a sensação de estarmos ao vivo no exato momento de captação de cada um deles. São canções entoadas em macua durante a feitura da embarcação; sons do barco indo ao mar; vozes que se entrelaçam e que, para uma falante de língua portuguesa como eu, apesar de não compreender nada, ainda me causam alguma emoção.

Após esse mesmo processo de sentar e ouvir um som em cada uma das embarcações menores, a surpresa maior da exposição encontra-se no último ato onde, agora, somos nós as nakhodhas, as capitãs do dhow, uma embarcação swahili imensa, que está alocada no centro do salão. Subimos ao dhow e ali, através de óculos de realidade virtual, somos convidadas a olhar o passado, em que corpos escravizados aparecem na tela, e imaginar um futuro em que o mar está subindo cada dia mais devido ao aquecimento global.

A idealizadora da instalação, Yara Costa, é uma artista moçambicana que viveu em diversos lugares do mundo, mas que hoje vive na Ilha de Moçambique. Como diria Saramago em seu O conto da ilha de desconhecida: “É preciso sair da ilha para ver a ilha.” Yara sai, roda o mundo e volta com o olhar ainda mais focado naquilo que a co-move todos os dias, o mar. Afinal, estar na Ilha é também permitir-se mirar outros sítios de modo seguro. Formada em Comunicação Social pela UFF (Universidade Federal Fluminense), Yara Costa é uma narradora de histórias que já realizou diversos trabalhos como os filmes “Entre Eu e Deus”, “Depois da água”, e recentemente ganhou o "Prêmio de mentoria para respostas culturais e artísticas à crise ambiental", que reúne 12 artistas de todo o mundo.

Em “Nakhodha e a Sereia”, o olhar da cineasta aparece demais. A artista vai nos contando uma história que interliga presente, passado e futuro. A construção do dhow hoje, a escravidão e a Ilha de Moçambique como lugar de onde partiam escravizados, a exemplo de um dos barcos que navega a partir da Ilha, em 1794, e o futuro não tão distante, em 2030. O que será da humanidade com o aumento do nível do mar? E as populações que vivem do mar já têm percebido as mudanças? Em que isso impacta esses saberes tradicionais? Poderíamos estar falando de vários povos do Brasil e também do mundo, que têm no mar seu sustento e suas formas de vida.

Como vimos na instalação, esse mar imenso que, apesar de revolto e, muitas vezes, mar-tenebroso durante a escravidão, foi também mar-refúgio durante a guerra civil, em que muitas pessoas se refugiavam nos barcos ao mar como espaço de fuga. É esse mesmo mar que possibilita o sustento de tantas famílias que vivem dos alimentos que ali recolhem.

No final da instalação, a imagem das mulheres preenche a sala. Elas desfilam nas paredes, catando mariscos na praia, com suas roupas e lenços coloridos, algumas com filhos às costas, enquanto brincam, cantam e dançam. O trabalho no mar como o lugar da alegria. E, nós, as capitãs do dhow, com visão privilegiada sobre aquele imenso espaço azul, ficamos ali, sentadas, quase hipnotizadas por aqueles cantos, como se as mulheres sereias fossem. Admiradas diante do deslumbre da vida, nos esquecemos por um instante que estamos num antigo mercado de escravizados, numa instalação, que nosso futuro está ameaçado. A sensação é de que estamos em pleno mar, os pés acima do chão e a certeza de que o mar é o mundo.


Yara Costa (Google imagens)

sexta-feira, 24 de maio de 2024

Sangare Okapi e a reinauguração do (a)mar

 




OKAPI, Sangare. Os poros da concha. Maputo: Cavalo do mar, 2018.

A minha primeira travessia pelo Atlântico-Índico, fazendo o percurso Brasil-Moçambique deu-se através da literatura. Conhecer textos de africanos (as) que escreviam em português me fez sentir que estava, de algum modo, mais próxima da África. Por isso, no último ano, finalmente em Maputo, decidi comprar alguns livros de escritores moçambicanos para trazer para o Brasil. Deparei-me, inicialmente, com Os poros da concha, de Sangare Okapi e lembrei-me de Ricardo Riso, brasileiro, especialista em Literatura africanas de língua portuguesa, e de seus textos sobre diversos escritores, entre eles, Okapi. Compra realizada, iniciei a leitura.

Uma mistura de surpresa e contentamento me acompanharam durante minha passagem por Moz e pelos quarenta poemas de Sangare Okapi que embalaram minha viagem. A poesia moçambicana que, por um determinado tempo serviu para cantar a revolução, tendo em Noémia de Souza uma de suas principais vozes, hoje canta outras revoluções e temas como o lugar da mulher na sociedade moçambicana, as identidades do povo de Moçambique, a escrita e a resistência.

É o corpo, preenchido por água em suas diversas formas, seiva, saliva e leite, a matéria-prima para a construção dos poemas de Sangari Okapi. No entanto, podemos falar em corpos no plural, o do poeta e o de sua amada, a quem o livro é dedicado. Em Os poros da concha, o escritor moçambicano, autor de Inventário das angústias ou Apoteose do nada, Mesmos barcos ou poemas da revisitação do corpo, Era uma vez... e Mafonematográfico também círculo abstrato reinaugura um idioma marítimo, fazendo com que o (a) leitor (a) mais atento (a) navegue por rotas diversas em busca de outras línguas, entre elas o ronga.

Para um (a) leitor (a) brasileiro (a), o processo de travessia além-mar também se dá pelo estranhamento de algumas palavras que, apesar de não serem parte de nosso cotidiano, transformam-se em elemento constituinte da poesia de Okapi, como o uso do ronga, uma das línguas faladas em Moçambique:


coerência agramatical ou ronga a língua que soluço

adjectivos que em teu corpo incauto acrescento

repito uva a vulva se espontânea mão a gruta alcança

ou óvulo ou trompa ou útero o que encubas

lugar que meu animal quero crescer até tarde (OKAPI, 2018, p.20)


Mas no caso de Okapi, todo detalhe pode contribuir para a compreensão do texto que temos diante de nós. A capa do livro, em tom azul vibrante, e o título, nos remetem a vivências marítimas: o azul do mar e a concha que, por vezes, guarda a Pérola valiosa, neste caso, Olga, a musa que é a inspiração do poeta sinalizam o diálogo que encontraremos nas páginas que se seguem: o infinito e úmido do mar, e a navegação por esse corpo-concha-mulher. E é desse mar-corpo amado que emergem as metáforas construídas por Sangare Okapi.


tua

voz

nua

foz

(OKAPI, 2018, p.33)


Ao longo das pouco mais de 50 páginas do livro, o poeta dedica-se a reinventar um

idioma do (a)mar. A foz, nesse caso, fluxo de água que deságua noutro, nos remete ao

encontro de dois corpos e é esse a imagem que temos desenhada por todo o livro.


Indelével é a concentração da matéria estelar

E não sei que paralaxes de corpos o anunciam

Oh elocução do vento desvairando a erva eriçada

Com os poros abertos convocado para a cerimónia

quero os amuletos e os seus nsopes na sua voz rouca

da língua incitando a saliva onde desaguar o beijo

(OKAPI, 2018, p.21)


A poesia de Okapi revoluciona a linguagem e desenha para o (a) leitor (a) um

emaranhado de cenas sensuais. No entanto, é a concha, o molusco que guarda a pérola,

um caroço valioso, que temos retratado no poema abaixo:


amo-te inteiros os caroços do corpo

cândidas montanhas arruam no peito

dissimulando o pó e o néctar no leito

reinventa a planície toda e seu vento

com a vagem da terra aquém pranto

(OKAPI, 2018, p.43)

No livro de Ernst Fisher, A necessidade da arte, temos uma frase de Jean Cocteau: “A poesia é indispensável. Se eu ao menos soubesse para quê...”. A provocação-ironia de Cocteau parece ser um possível ponto de partida para adentrarmos os textos de Sangare Okapi que sabe de forma certeira para quê escreve a sua poesia, ao erguer uma linguagem em cada um de seus poemas.


arborescente corpo na areia tatua folhas no ar

molde de embondeiro raiz vigilante para o sol


âncora e cinzel e agulha desenterrados do mar

como no útero das plantas o pólen do girassol

vagamente entre os lábios viris das tuas coxas


(OKAPI, 2018, p.16)


Como um servo das palavras, Okapi nos convida a navegar nesses oceanos-corpos e nos umedece a língua e a imaginação ao descrever tantos encontros, entre mar, palavras, gentes e desejos, com metáforas grávidas de significados que são entregues como uma concha de presente ao (à) leitor (a), para que forme, ele (a) também, suas pérolas.


Fonte da imagem: Google

segunda-feira, 20 de maio de 2024

"Princípio", de Álvaro Fausto Taruma, ou o que se inicia em Abril




Fonte da imagem: Google imagens



TARUMA, Álvaro Fausto. Matéria para um grito. Maputo: Cavalo do mar edições, 2018.


PRINCÍPIO

Este poema principia em Abril com o pássaro de azul rasan-/do a terra, um pouco de ternura pelos lábios feito vinho,/ feito mar, feito largas varandas matutinas com/ os braços ao abrigo de outros braços, uma inesperada canção/ de embalar. Fosse a infância esta árvore onde, infatigáveis/ peregrinos estendendo o peito à chuva e ao pó das estra-/das, esperávamos, enfim, que nos tocasse o deus da alegria/ prometida. Ainda que fôssemos Abraão, ou Jacó ou Isaac, e/ até Cristo em suas mãos perpassadas; fosse Ester ou Ruth ou/ Maria Madalena; ainda que fôssemos todas as tribos desde/ as maçãs crepusculares, os sinais, os trovões, a linguagem,/ ou fôssemos crianças que brincávamos inocentemente com o/ fogo. O poema trabalha o seu próprio corpo, o seu próprio/ barro de palavras, o chão, o pão, o coração, inapagáveis/ cinzas de vulcão ante o sopro da terra por sobre a costela de/ Adão. Untam em mentiras Abril, certo dia, com os corvos/ de negro flagelando o solo; estado de sítio made in América e,/ no entanto, a guerra interminável: guerra de palavras, guerra/ civil, guerra de sexos, “Allahu akbar”, o poema avançando de/ oceano em oceano: velho, cansado, relicário, porta-aviões de/ sílabas impossíveis. 



No poema em prosa “Princípio”, presente no livro Matéria para um grito, publicado em 2018 pela Cavalo do mar edições, o poeta moçambicano Álvaro Fausto Taruma, nascido em Inhaca, em 1988, mostra que tudo há de ser matéria para um grito, incluindo a memória coletiva de uma nação. E por grito, compreendemos também, canção, manifesto, poesia. O eu-lírico traz um Abril em letra maiúscula, um mês muito simbólico tanto para Portugal quanto para a história das ex-colônias portuguesas além-mar, afinal, foi no 25 de abril de 1974 que a Revolução dos Cravos aconteceu. Um grito que eclodiu muito antes como murmúrio e luta armadas nas colônias, mas que tem seu apogeu e “princípio”, como diz o título do poema, neste simbólico Abril. No entanto, apesar de o poema trazer a imagem de um pássaro, símbolo maior de liberdade como a abrir sobre nós suas asas de novos ventos, afinal, ele voa no céu sem limites de distâncias ou controle, é um texto em que o eu-lírico está melancólico diante da espera de promessas que nunca se cumpriram. O deus da alegria, um deus com letra minúscula, logo um deus humanizado, retirado do lugar de santidade, nunca chegou a realizar sonhos tão esperados por aqueles que gritaram um Abril como liberdade. No entanto, apesar de um deus em minúsculas, o poeta menciona personagens bíblicos que foram fieis a Deus e tiveram sua recompensa. Basta nos lembrarmos de Abraão, pai de uma geração, Jacó que, insistente ao lutar com um anjo, não o deixa ir até que seja abençoado e tem o nome modificado para Israel (Gênesis 32:18), Isaac, Ruth, Esther, todos obedientes, com fé têm suas vidas modificadas. Ainda que fôssemos cada um desses “herois da fé”, a vida continuou a mesma. E o eu-lírico insere em seu texto uma reflexão sobre o fazer poético ao afirmar que cabe ao poema, e aqui digo, às palavras, re-fazer, des-fazer, re-construir seu próprio corpo. Como diz Craveirinha em sua “Cantiga em três tempos”: “A dificuldade/da verdadeira poesia não são as ideias/São as palavras.” Abril segue após 1974 recheado de mentiras de um amanhã vindouro. E agora há um diálogo com guerras que acontecem em outros lugares do mundo: por exemplo, a referência a um estado de sítio, uma guerra declarada, mas aos moldes dos Estados Unidos da América. A guerra de palavras, de sexo, civil. O poeta descreve as incontáveis guerras que ocupam o cotidiano: na guerra de palavras, podemos pensar os discursos de ódio, os discursos que iniciam guerras, as guerras civis inclusive; as guerras dos sexo, uma clara alusão ao debate do dia sobre machismo e feminismo, os lugares dos homens e das mulheres em nossa sociedade. Ainda a guerra dos EUA contra os árabes, ao trazer a referência a expressão ”Alah é grande”, utilizada por mulçumanos e, segundo relatos, dita por homens-bomba antes de algum ataque. E, de novo, para que serve o poema diante de tantas tempestades cotidianas? A ironia final do poema como este lugar do cansaço, mas ao mesmo tempo do novo ao ser ele o “porta-aviões” de sílabas impossíveis, de palavras que, muitas vezes, se parecem irreconciliáveis e improváveis de estarem em uma mesma estrofe ou num mesmo verso. “Princípio” é um poema que se inicia com um vigor do pássaro azul, descreve desesperanças de um “Abril” que engana, untado me mentiras, mas que ao finalizar, trazendo o poema como matéria literária, nos mostra que o poema ainda vale a tinta preta sobre o papel, ainda vale o grito. E se há um “Princípio”, talvez ele esteja mesmo nas próprias palavras a inaugurar outros meses de Abril.



Álvaro Taruma. 

Fonte: Google imagens


sábado, 23 de setembro de 2023

“O que mais me dói é a destruição dos sonhos do meu filho”: o genocídio que assombra a Chapada Diamantina e a resistência que canta 


Dedicado ao meu amigo Cláudio Dourado (antropólogo da CPT/Bahia).




Foto: Quilombo do Remanso, Chapada Diamantina, Bahia (Valéria Lourenço/2022)


“O que mais me dói é a destruição dos sonhos do meu filho”. Essa foi uma das frases que ouvi de Catarina, em sua cozinha, na comunidade quilombola da Bocaina, enquanto comia uma tapioca com coco e tomava um suco de maracujá selvagem. Dias antes, na comunidade quilombola de Iúna, me emocionei quando dona Jandira, com aquele olhar firme, apesar do corpo paralisado por um AVC, disse querer justiça pelo assassinato de dois filhos e de um neto, na chacina que ocorreu na comunidade em 2017 e que exterminou outras 4 vidas. Estou falando de duas mulheres negras que, com lágrimas, ousam acreditar em um futuro digno para seus filhos e netos. Esses dois episódios aconteceram na Chapada Diamantina, Bahia, mas são só uma síntese muito rasa do que vivi e ouvi por lá durante mais de quinze dias. 

Cheguei em Capim Grosso, Bahia, por volta das 5h da manhã do dia 26 de julho. Meu embarque foi em Teresina, Piauí, no dia anterior, às 14h, mas o ônibus já vinha de Sobral, no Ceará, estado em que vivo hoje, e seguiria para o Rio de Janeiro, estado que me viu nascer e crescer. Chovia. Fazia frio demais. E, durante todo tempo que fiquei na rodoviária esperando meu amigo me buscar às 6h da manhã para irmos até Ruy Barbosa, minha parada provisória em sua casa, por alguns dias, observava aquele monstro branco à minha frente. Era a hélice de uma das centenas de torres de energia eólica que eu encontraria pelo caminho durante meus dias na Chapada. 

Não sei vocês, mas eu ainda não tinha visto um daqueles artefatos tão de perto. Interessante que, quando a gente olha as torres de energia eólica de longe, elas parecem cataventos tão branquinhos e inofensivos como aqueles de papel que a gente fazia na escola durante a infância e ele girava com o sopro do vento que saía de nossos lábios. Mas, não se enganem! As torres de energia eólica têm uma altura que varia de 110 a 130 metros e, em geral, os locais usados para as instalações desses parques eólicos, causam deslocamento de comunidades inteiras, destruição de laços coletivos e de modos de vida ancestrais. Bem, mas eu ainda não sabia que durante meus dias na Chapada Diamantina encontraria muito mais do que as torres. Conheci diversos quilombos, histórias de luta, de resistência, de chacina, de destruição do meio ambiente e encontrei muitos mais monstros como aquela hélice branca.

Em poucos dias circulando pela Chapada, pude acompanhar de perto um grupo de trabalho da Comissão Pastoral da Terra na região. Esses agentes estavam mobilizando algumas comunidades quilombolas para estarem juntas, em poucos dias, homenageando os parentes e amigos dos jovens assassinados numa chacina no quilombo de Iúna, no ano de 2017. Assim, andamos por Lençóis, Piatã, Seabra e visitei as comunidades quilombolas de Remanso, Iúna, Riacho do Mel, Morro Redondo, Bocaina e Gerais. 

Só estive na Bahia poucas vezes na vida, mas sempre em Salvador e região próxima. Nunca havia conhecido a Chapada Diamantina, apesar de já ter ouvido falar de alguns lugares muito famosos pelo turismo como o morro do Pai Inácio e Lençóis. No entanto, subvertendo essa perspectiva turística, vivi a Chapada profunda, aquela que não aparece nos sites ou notícias da grande mídia: a Chapada dos negros, indígenas, quilombolas.

O mapa da Bahia sempre me chamou atenção por ser quase uma réplica do mapa do Brasil e parto daqui para continuar minhas reflexões. O que vi na Chapada Diamantina foi uma espécie de retrato em 3x4 do que temos acompanhado em outras partes de todo território brasileiro e aqui falo especificamente das comunidades quilombolas pelas quais tenho me deslocado desde 2012, seja no Rio de Janeiro, no Ceará ou no Maranhão: os grandes empreendimentos, na maioria das vezes, com o aval e de mãos dadas com o estado brasileiro, avança de modo voraz, ceifando vidas, seja através da violência física mas também através do medo, das ameaças e da coerção a quem ousa continuar a lutar pela terra. 

No texto “Literatura como resistência ao genocídio cotidiano: os saraus realizados em Fortaleza, Ceará, 2014-2019”, o pesquisador Atílio Bergamini analisa como se dá uma das formas de resistência da juventude da periferia de Fortaleza contra o genocídio a que estão submetidas: se reunir em saraus para fazer, ler, cantar, falar, gritar poesia. É ainda neste texto que Bergamini (2012, p. 144) traz “uma das definições mais recentes” para pensarmos genocídio. Partindo de Daniel Feierstein, o pesquisador comreende que o genocídio é uma prática que destrói relações sociais de autonomia e de cooperação entre as pessoas. 

Em todas as comunidades quilombolas que conheci na Chapada e com as pessoas com as quais pude conversar, em sua maioria mulheres, os relatos se repetem. Há uma disputa pela terra e, por conta disso, essas comunidades acabam sendo ameaçadas por conta de algum grande empreendimento que chegou ao local. É isso que vimos em Iúna, a comunidade que nos transporta a todo momento para o romance Torto arado. É que foi ali que Itamar Vieira Júnior, escritor baiano, passou parte de seu tempo durante a pesquisa do doutorado e se inspirou para dar mais corpo a uma história que ele já havia começado a escrever muitos anos antes.   

Na comunidade quilombola de Iúna, os rios Santo Antônio e Utinga estão constantemente ameaçados por empreendimentos que estão chegando à região e paira um silêncio e um medo nesse local que há 5 anos atrás foi alvo de uma chacina. Foi lá que ouvi dona Jandira falar que espera justiça pelo assassinato dos dois filhos e do neto. Tal tragédia faz parte do movimento de especulação imobiliária e consequente venda de terras que tem avançado naquele território. 

Dias depois, o encontro com Catarina Silva, moradora da comunidade quilombola da Bocaina, em Piatã, que vê da janela de sua casa o avanço da mineradora Brasil Iron, me trouxe um momento de inspiração. É que Catarina traz, em suas poesias, a descrição do lugar que vive, as belezas naturais, os modos de vida de sua comunidade e ainda faz uso da palavra para denunciar os riscos e perigos que têm assolado aquele quilombo.

A Chapada Diamantina não se resume ao centro da cidade de Lençóis, região com alto custo de vida e que recebe dezenas de turistas do mundo todo. A Chapada Diamantina é preta e indígena. Não podemos nos esquecer disso. São esses modos de vida que estão sendo ameaçados pelos avanços de grandes empreendimentos. São esses os grupos que seguem tendo seus sonhos ameaçados desde a construção deste país. Mas, depois de quase vinte dias pelo centro da Bahia, não voltei para casa entristecida. Pelo contrário, ver dona Jandira, que perdeu três pessoas da mesma família, cercada por três de seus netos, crianças e adolescentes, clamar por justiça, nos enche de revolta mas também de esperança. Ouvir os moradores e as moradoras de Iúna cantar uma de suas músicas no dia marcado para relembrar a chacina dos seus e celebrar a vida, nos enche de revolta e esperança. Estar com Catarina e ouví-la recitar um de seus poemas mesmo com a voz embargada, os olhos sempre úmidos, e afirmando que não vai parar de lutar pela sua comunidade, pelos sonhos de seus filhos, me fala de construção de vidas, de projetos coletivos de futuro e me faz acreditar que, mesmo que as ameaças diversas pairem sobre aqueles territórios em forma de monstros brancos como aquela hélice que cruzou meu caminho, ainda há, como nos saraus das áreas vistas como marginalizadas em Fortaleza, muita gente que resiste e canta.


Observação: Este texto foi publicado na íntegra, no Jornal on-line Ecodebate. Disponível em: 
https://www.ecodebate.com.br/2022/10/14/luta-e-resistencia-das-comunidades-quilombolas-na-chapada-diamantina/. Acesso em 20 set. 2023.

Referência bibliográfica:

BERGAMINI, Atilio. Literatura como resistência ao genocídio cotidiano: os saraus realizados em Fortaleza, Ceará, 2014-2019. Revista Memória em Rede, Pelotas, v.13, n.24, Jan/Jul.2021 - ISSN - 2177-4129 periódicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/Memoria.

quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Zimbábue, Bob Marley, a "fumaça que troveja" e a música a embalar um país



A primeira vez que ouvi falar de forma potente do Zimbábue foi quando entrei na universidade, em 2010. Com uma pressa por saber mais sobre tantas histórias que não haviam me contado, comecei a escavar as literaturas, as músicas, os filmes de diversos países do continente africano. A luta de vários daqueles países pela independência, que de nenhum modo foi uma luta de um único país, antes, demandou a união e esforços de tantos outros, prendia muito minha atenção. Me interessava e me encantava saber como a arte e a educação haviam contribuído sobremaneira com aquele ideal de liberdade, como, uma vez independentes, muitos daqueles países tiveram entre seus presidentes e ministros, pessoas que escreviam literatura: Agostinho Neto, presidiu Angola; Manuel Rui foi ministro em Angola; Léopold Séda Senghor presidiu o Senegal, Patrice Lumumba e Amílcar Cabral também escreveram poemas e presidiram países (conversa longa, pra outro post). 

O tempo passou, fui morar no Maranhão para cursar meu mestrado e ali me apaixonei por tanta coisa naquela terra, mas principalmente pelo reggae. E, mais uma vez, estava eu, escavando um tema que me fazia a cabeça. Além de cursar as disciplinas do programa de mestrado, conheci os vários clubes de reggae da cidade e pesquisei a fundo as letras das músicas, as traduções, a biografia dos cantores e das cantoras que tocavam meu coração. E foi somente naquele momento que aprendi que muitas músicas de reggae que fazem sucesso pela Ilha do Amor, como chamamos São Luís, contam histórias de luta, falam de fé, fazem referências a nomes importantes da história negra pelo mundo como Marcus Garvey e King Selassie. E foi num desses dias em que estava estudando e dançando e estudando e dançando sobre tudo isso e mais um pouco que conheci a canção que Bob Marley fez em 1979 e que se tornou o hino que embalou o Zimbábue durante e após sua luta pela independência. A música se chamava "Zimbabwe", simples assim. Pois, pronto! Já conhecia Bob, já conhecia o reggae, precisava conhecer o Zimbábue!

Anos depois, em 2019, estava eu a caminho da primeira viagem para aquele país. Dias antes de cruzar a fronteira entre Zâmbia, e Zimbábue (Zim), o país passou por um luto nacional. O cantor Oliver Mtukudzi havia falecido. Logo Oliver, que havia embalado minhas memórias e a saudade de casa durante meus vários dias em Joanesburgo, na Cidade do Cabo e na Zâmbia antes que eu seguisse para Zim. Bem, naquele momento, não havia jeito, parte da África estava triste, Zim estava triste e eu também. Mtukudzi estava morto e eu a caminho de sua terra. Não tinha como recuar. A viagem precisava seguir. 

Como a água sempre me chama, decidi começar minha andança naquele país por Victoria Falls, Vic Falls, Mosi-oa-tunya "a fumaça que troveja", em língua local, ou mesmo as Cataratas Victoria. Após chegar e me instalar, saí do hostel para dar uma volta pela cidade. Éramos eu e os macacos caminhando pra lá e pra cá e eu devo dizer que amo macacos e eles eram enormes e pareciam os donos das ruas. Me diverti. Ao chegar à entrada do Parque que abriga as cataratas vi o Brasil na foto. As Cataratas do Iguaçu  estavam bem ali no mapa. Sim, é que as nossas cataratas são as maiores do mundo em altura, Mosi-oa-tunya  está em segundo lugar neste critério, mas em primeiro no mundo em extensão, chegando a 1708 metros. Entrei no Parque e fui seguindo as dezenas de placas que nos indicam um possível ponto final. Como uma mulher que viaja sozinha, tive que aprender a me virar com a câmera do celular no temporizador para fazer registros meus e daquele lindo lugar. 

Depois de dois dias em Vic Falls, decidi seguir para Harare, a capital do Zimbábue. Foram cerca de 12 horas por via terrestre, de um ponto a outro. Naquele trajeto, que se iniciou às 21h, me sentei na janela do ônibus e logo me aconcheguei pra tentar dormir toda noite e só acordar no outro dia. Ah, mas o que seria da vida, e das viagens, sem as surpresas?! O ônibus tocava músicas zimbabueanas a noite toda em um volume ensurdecedor. Era Thomas Mapfumo, Ammara Brown, o próprio Oliver, Eram músicas que nos faziam querer dançar a valer. Aquilo me divertia. Que privilégio eu tive, afinal, era como se, ao invés de estar viajando em descanso, eu tivesse escolhido passar a noite numa boate do Zimbábue. E o melhor ainda estava por vir. A cada uma hora de viagem, mais ou menos, o motorista baixava completamente o som da música, parava o ônibus e alguém fazia uma oração para que chegássemos em paz ao nosso destino. Eu, como boa evangélica de berço, fechava os olhos e engrossava aquele coro de vozes, mas em português. Não poderia perturbar tanto os ouvidos de Deus com essa minha língua enrolada. E chegamos finalmente à capital, Harare, às 09h da manhã, sãos e salvos. Não sei se a música ou a oração nos manteve vivos. Só sei que, por via das dúvidas, cantar, dançar e orar são sempre rituais que me mantêm firme diante da vida e que bom saber que naquele país parece que eles concordam comigo.
 




Mosi-oa-tunya (eu só olhava pra essa imagem e agradecia a Deus por estar viva e por ouvir aquele trovejar de tão perto)






Acima: Bob Marley e Oliver Mtukudzi  

Referência: Para saber mais sobre Mosi-oa-tunya. Disponível em: http://www.afreaka.com.br/as-cataratas-de-mosi-oa-tunya-ou-a-famosa-victoria-falls/. Acesso em 02 set. 2023.

sexta-feira, 4 de agosto de 2023

Ênia Lipanga e sua voz-mulher moçambicana

 



Ênia Lipanga é uma poeta, artista e ativista cultural moçambicana. Seus poemas e contos podem ser encontrados em seu Instagram @enia_lipanga, mas também nos livros Para enxugar as nódoas dos meus olhos e, no mais recenteEnsaios da partida. Com textos que, muitas vezes, parecem uma conversa com uma amiga, e que circulam por meio do whatsapp, o que faz com que suas palavras cheguem a milhares de mulheres de Moçambique e do mundo, a escritora fala sobre violência doméstica, padrões de beleza, relacionamentos, dores e perdas. Com esse movimento, Ênia retira o texto daquele lugar sagrado do livro, da biblioteca, da universidade e cumpre, quem sabe, o papel que todo texto tem que ter, de impactar uma sociedade, de provocar e promover uma mudança. Abaixo, reproduzo alguns textos de Ênia Lipanga e também sua palestra no TEDx Maputo Women "Construção de poema, na reconstrução de uma sociedade", em que a artista reflete sobre o uso de sua arte para mudar o mundo.


Poema 1. Auto-retrato 


É óbvio que tenho marcas, quem não as tem? 


Tenho alguma dor mas também colecciono corações partidos 

Tenho os seios flácidos e caídos 


Mas também montanhas que aliciam olhares à minha foz 

Tenho quem me ouve e quem silencia esta voz 


Tenho pontos na vulva e costuras também na alma 

Tenho dores crônicas de injustiça e lágrimas nas palmas


Sangue que pulsava já regou minhas pernas 

E vida com pés próprios já pisa esta terra 


Sou estes sinais do tempo 

Tenho algumas cicatrizes e micoses do tempo 

Tenho marcas da vida, quem não as tem?


Lipangamente falando!

_______________

04.04.2021


Poema 2.

sou África…

de olhos brancos

Que sente nos poros

A nascença da humanidade

Vidas do transacto tempo

Que nascem do rio da minha respiração


África sou

Meu pretérito ferido pela escravidão

Meus olhos com sonhos da imensidão

Outrora fustigada pela solidão

Sólida hoje, viva na vida dos meus filhos


África rasgada em lágrimas na então esfera

Renascida e cheia de esperança

Em meu ventre…

frutos da minha perseverança


Sou mãe…

pois ofereço a atmosfera

Bela e cheia de cores da natureza

Colorida de águas, banhada de infância

África de bela beleza

Sou África


Poema 3.

me apetece dar 

entregar e me doar 

dar sem me culpar 

sem ter o que me perdoar 


dar sem olhar 

dar a chamuça, o biscoito

dar a torta e a direita 

não fechar as minhas portas e dar a esquerda 


me apetece entregar 

me ofertar 

sem que em mim resida a culpa

de ter me entregue sem luta 


dar sem qualquer compromisso 

dar sem me unir 

dar apenas pra chegar lá 

e sem ninguém para me apontar 


dar e ficar sem peso na consciência 

se calhar ter de deixar de ser mulher, 

paciência 


tantas vezes não dei, não por preguiça 

mas porque fui ensinada que a fruta era sagrada 

e só a devo dar ao consagrado 


o mesmo consagrado 

que só dá para o seu agrado

e é feliz 

pois dar para muitas é sinônimo de grandeza 


para mim não importa o sexo, um ser humano lá existe 

então que se lixe 

 já que mulher não pode dar porque não é ético 

de homem vou me fardar 

e vou dar até me fartar


Poema 4. Sou muitas


Sou corações 

Certeza e indecisão 

Calmaria e combustão 

Fervo mesmo sem água 


Sou ferro derretido em lágrimas 

Cheiro tempo e saudades 

Sou passado e calos


Sou brisa e tornado 

Passos rápidos e tímidos caminhos 


Sou rodas de estrada e de conversa 

Um pouco da espontaneidade que nos oferece a cerveja 

Sou conflito das paragens 

Sou orvalho das manhãs 


Sou xinguerenguere

Sou sopros, sou assobios...


E diariamente vou inalando seres

Sou os papos e olhares de rua 

Sou granizo e fúria 

Sou mulher e mulheres 

Sou eu e muitas


In: Sonolência e Alguns Rabiscos 


Poema 5. Capulana


A semelhança dos meus traços de mamana

Que coberta de uma humilde capulana

Menina de cores d'África

Onde os  paços que perfumam becos

Esbanjam beleza

Mucume disfarçado em natureza

Capulana

Enrolando a moldura de curvas moçambicanas

Cobrindo as fofocas das mamanas

Que semeiam simpatia da nossa terra

Valorizando a postura

E criando sedução aos olhos da cintura

Capuanizando gostos

És de forma delicada enrolada em cérebros

Que moldam rostos

Viva, pois está viva

De cor aos amantes

Mais vida, aos amores

Deixa e tape as colantes

E seduza nossos senhores

Assim como a cultura quando cose

Africanize as europeias de Moz

Que são fieis à marrabenta

E ignoram o semba

Que valorizam suas tradições e 

criam em volta da fogueira suas canções

Por baixo do que cobras

Há fogo,

Fogo que arde

Mulheres lindas, moçmabicanas obras de arte 

Que acolhem vida, vinda de qualquer parte

Capulana, capulana

Siga todas as fulanas que de ti se abstem

Capulana, capulana

Ame todas as fulanas

Que de ti são reféns




Texto 1. 


Edinise, eu sei que ele me ama... Ele nunca me bateu! 


Amiga, não tenho tido dias fáceis por conta das fofocas!

As pessoas são tão infelizes que deixam de viver a vida delas para olhar para a minha relação amorosa

que eu sei que é perfeita. Juro, não entendo essa gente que pensa que pode destruir a minha relação só

porque o meu marido pediu para que eu parasse de estudar. As pessoas não compreendem que, na

verdade, o Leo não pretende me mudar, mas sim mostrar-me um caminho que toda a mulher casada

devia segui-lo. Ele está apenas a tentar educar-me e, na família daquele moço, as mulheres não podem

estudar até serem malta bosses, doutoras etc., ali basta décima classe ntsem. E com toda a razão, onde já

se viu uma mulher ser mais inteligente que o homem? É bíblico, amiga, o homem tem a última palavra e,

se eu me torno Doutora por exemplo, posso querer opinar mais e tentar mostrar caminhos sobre as

decisões do nosso lar. É o homem quem deve conduzir este carro pah. Assim estão a falar que haaa eu

sou burra porque tranquei a matrícula na UP, mas mal sabem eles que é para o meu próprio bem e que

não devemos fugir das regras da sociedade. Mas estou certa de que é love esta cena meu bem.


Tu também tens esses papos de que estou a sofrer e eu te perdoo pela tua inveja pois és minha amiga

e irmã e sempre vou dividir contigo as minhas dores e alegrias. Eu sei que não tenho tido mais tempo

para cultivar a nossa relação. Na verdade, estou proibida de visitar amigos e familiares, o meu sábio

aqui tem dito "o que ninguém sabe, ninguém estraga" e vocês amigas solteiras principalmente são uma

má influência. Bra, qual mulher não quer um homem que controla os seus passos?

Eu ganhei de Deus um homem que olha por mim e faz-me sentir segura e poderosa, qual mulher não

quer um homem louco por ela? 


Nunca vou abrir mão disto, mulher precisa de homem para a proteger e torná-la digna.

Estou viciada nesta felicidade que até tenho medo de uma vida sem ele, já imaginaste, eu toda

Énia assim sozinha no mundo? 


Agora sem a faculdade, a minha rotina melhorou muito. Ele obrigou-me a entrar pra o ginásio,

hehehe quer ver-me gostosa. Diz que estou gorda e a deixar de ser atraente. 


A cena de ele me proibir de usar calças e maquiagem é que ele sabe que a concorrência pode aumentar

e a mulher já comprometida deve dar-se ao respeito. Se eu já não estou na montra, já não estou aflita na

busca por um homem, porque devo eu me periquitar e ficar vaidosa? Essa cena toda é para meu marido

ver no quarto e em casa.


Eu sei que, quando ele se zanga, faz meus ouvidos de pinico e descarrega todas as suas frustrações,

mas esse é o papel de uma esposa, suportar os momentos de mau humor, os gritos e, por vezes, aquela

noite de sexo selvagem onde ele descarrega sobre meu corpo toda a sua raiva. Sobre os meus problemas

de depressão, ele já resolveu, estou inclusive a fazer terapia. O que mais eu posso pedir a um homem

fora comida na mesa, sexo e saúde?

Que correntes invisíveis são essas que eu não as vejo?

Ele pode ter seus defeitos, mas ele nunca me bateu.