quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Zimbábue, Bob Marley, a "fumaça que troveja" e a música a embalar um país



A primeira vez que ouvi falar de forma potente do Zimbábue foi quando entrei na universidade, em 2010. Com uma pressa por saber mais sobre tantas histórias que não haviam me contado, comecei a escavar as literaturas, as músicas, os filmes de diversos países do continente africano. A luta de vários daqueles países pela independência, que de nenhum modo foi uma luta de um único país, antes, demandou a união e esforços de tantos outros, prendia muito minha atenção. Me interessava e me encantava saber como a arte e a educação haviam contribuído sobremaneira com aquele ideal de liberdade, como, uma vez independentes, muitos daqueles países tiveram entre seus presidentes e ministros, pessoas que escreviam literatura: Agostinho Neto, presidiu Angola; Manuel Rui foi ministro em Angola; Léopold Séda Senghor presidiu o Senegal, Patrice Lumumba e Amílcar Cabral também escreveram poemas e presidiram países (conversa longa, pra outro post). 

O tempo passou, fui morar no Maranhão para cursar meu mestrado e ali me apaixonei por tanta coisa naquela terra, mas principalmente pelo reggae. E, mais uma vez, estava eu, escavando um tema que me fazia a cabeça. Além de cursar as disciplinas do programa de mestrado, conheci os vários clubes de reggae da cidade e pesquisei a fundo as letras das músicas, as traduções, a biografia dos cantores e das cantoras que tocavam meu coração. E foi somente naquele momento que aprendi que muitas músicas de reggae que fazem sucesso pela Ilha do Amor, como chamamos São Luís, contam histórias de luta, falam de fé, fazem referências a nomes importantes da história negra pelo mundo como Marcus Garvey e King Selassie. E foi num desses dias em que estava estudando e dançando e estudando e dançando sobre tudo isso e mais um pouco que conheci a canção que Bob Marley fez em 1979 e que se tornou o hino que embalou o Zimbábue durante e após sua luta pela independência. A música se chamava "Zimbabwe", simples assim. Pois, pronto! Já conhecia Bob, já conhecia o reggae, precisava conhecer o Zimbábue!

Anos depois, em 2019, estava eu a caminho da primeira viagem para aquele país. Dias antes de cruzar a fronteira entre Zâmbia, e Zimbábue (Zim), o país passou por um luto nacional. O cantor Oliver Mtukudzi havia falecido. Logo Oliver, que havia embalado minhas memórias e a saudade de casa durante meus vários dias em Joanesburgo, na Cidade do Cabo e na Zâmbia antes que eu seguisse para Zim. Bem, naquele momento, não havia jeito, parte da África estava triste, Zim estava triste e eu também. Mtukudzi estava morto e eu a caminho de sua terra. Não tinha como recuar. A viagem precisava seguir. 

Como a água sempre me chama, decidi começar minha andança naquele país por Victoria Falls, Vic Falls, Mosi-oa-tunya "a fumaça que troveja", em língua local, ou mesmo as Cataratas Victoria. Após chegar e me instalar, saí do hostel para dar uma volta pela cidade. Éramos eu e os macacos caminhando pra lá e pra cá e eu devo dizer que amo macacos e eles eram enormes e pareciam os donos das ruas. Me diverti. Ao chegar à entrada do Parque que abriga as cataratas vi o Brasil na foto. As Cataratas do Iguaçu  estavam bem ali no mapa. Sim, é que as nossas cataratas são as maiores do mundo em altura, Mosi-oa-tunya  está em segundo lugar neste critério, mas em primeiro no mundo em extensão, chegando a 1708 metros. Entrei no Parque e fui seguindo as dezenas de placas que nos indicam um possível ponto final. Como uma mulher que viaja sozinha, tive que aprender a me virar com a câmera do celular no temporizador para fazer registros meus e daquele lindo lugar. 

Depois de dois dias em Vic Falls, decidi seguir para Harare, a capital do Zimbábue. Foram cerca de 12 horas por via terrestre, de um ponto a outro. Naquele trajeto, que se iniciou às 21h, me sentei na janela do ônibus e logo me aconcheguei pra tentar dormir toda noite e só acordar no outro dia. Ah, mas o que seria da vida, e das viagens, sem as surpresas?! O ônibus tocava músicas zimbabueanas a noite toda em um volume ensurdecedor. Era Thomas Mapfumo, Ammara Brown, o próprio Oliver, Eram músicas que nos faziam querer dançar a valer. Aquilo me divertia. Que privilégio eu tive, afinal, era como se, ao invés de estar viajando em descanso, eu tivesse escolhido passar a noite numa boate do Zimbábue. E o melhor ainda estava por vir. A cada uma hora de viagem, mais ou menos, o motorista baixava completamente o som da música, parava o ônibus e alguém fazia uma oração para que chegássemos em paz ao nosso destino. Eu, como boa evangélica de berço, fechava os olhos e engrossava aquele coro de vozes, mas em português. Não poderia perturbar tanto os ouvidos de Deus com essa minha língua enrolada. E chegamos finalmente à capital, Harare, às 09h da manhã, sãos e salvos. Não sei se a música ou a oração nos manteve vivos. Só sei que, por via das dúvidas, cantar, dançar e orar são sempre rituais que me mantêm firme diante da vida e que bom saber que naquele país parece que eles concordam comigo.
 




Mosi-oa-tunya (eu só olhava pra essa imagem e agradecia a Deus por estar viva e por ouvir aquele trovejar de tão perto)






Acima: Bob Marley e Oliver Mtukudzi  

Referência: Para saber mais sobre Mosi-oa-tunya. Disponível em: http://www.afreaka.com.br/as-cataratas-de-mosi-oa-tunya-ou-a-famosa-victoria-falls/. Acesso em 02 set. 2023.

Um comentário:

deniseklaxon disse...

Que lindo! Zimbábue faz parte do meu imaginário a partir da presença de Mugabe e a partir de relatos de um conhecido meu.