sábado, 20 de novembro de 2010

Súplica - Noémia de Souza

Tirem-nos tudo,
mas deixem-nos a música!

Tirem-nos a terra em que nascemos,
onde crescemos
e onde descobrimos pela primeira vez
que o mundo é assim:
um tabuleiro de xadrez...

Tirem-nos a luz do sol que nos aquece,
a lua lírica do xingombela
nas noites mulatas
da selva moçambicana
(essa lua que nos semeou no coração
a poesia que encontramos na vida)
tirem-nos a palhota – a humilde cubata
onde vivemos e amamos,
tirem-nos a machamba que nos dá o pão,
tirem-nos o calor do lume
(que nos é quase tudo)
- mas não nos tirem a música!

Podem desterrar-nos,
levar-nos
para longe terras,
vender-nos como mercadoria, acorrentar-nos
à terra, do sol à lua e da lua ao sol,
mas seremos sempre livres
se nos deixarem a música!

Que onde estiver nossa canção
mesmo escravos, senhores seremos;
e mesmo mortos, viveremos,
e no nosso lamento escravo
estará a terra onde nascemos,
a luz do nosso sol,
a lua dos xingombelas,
o calor do lume
a palhota que vivemos,
a machamba que nos dá o pão!

E tudo será novamente nosso,
ainda que cadeias nos pés
e azorrague no dorso...

E o nosso queixume
será uma libertação
derramada em nosso canto!

- Por isso pedimos,
de joelhos pedimos:

Tirem-nos tudo...
mas não nos tirem a vida,
não nos levem a música!

Fonte: “Sangue negro”, Noémia de Souza, Maputo: Associação dos Escritores Moçambicanos, 1988, p. 37.

3 comentários:

Mariana Belize disse...

Cara, esse texto é lindo.
Aliás, adoro os textos que vc coloca aqui.
Só mais uma coisinha: passa lá no meu blogue pra conhecer a Cristiana e votar na enquete...rsrs
Beijos e um ótimo fim de semana.

Valéria Lourenço disse...

Obrigadão Mari,
bjs.

Fernando Vieira Peixoto Filho disse...

Sensibilidade e angústia: é o que se enxerga no texto... lindo texto...