quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Imperialismo cultural – Adriana Lisboa


A vida íntima
de uma menina de dez anos
na Somália (Somália é qualquer lugar
neste mundo, neste mesmo mundo):
o clitóris e os lábios vaginais são decepados
a menina é costurada em seguida, deixando-se
apenas uma pequena abertura para a urina e a
menstruação
a menina é imobilizada até que a pele grude
entre suas pernas
e no dia em que estiver pronta para o sexo
seu marido
ou uma mulher respeitada na comunidade
vai abri-la de novo, cortá-la
como se corta uma fruta, como se corta
a aba de um envelope que traz um documento
importante
como o avião corta a nuvem
como a nuvem corta o céu.

O Globo - Caderno Prosa & verso 30/07/2011

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